domingo, 9 de janeiro de 2011

Jineterismo

Se você nunca ouviu falar em jineterismo, quando for a Cuba vai saber muito bem o que é. A palavra vem do espanhol jinete, que quer dizer cavaleiro, mas em Cuba ganhou um significado próprio. Com o aumento do turismo, a crise econômica e a incapacidade do Estado de suprir todas as necessidades da população e de produção, cresce em número assustador essa atividade. O jinetero ou a jinetera é a pessoa que vive de trabalhos ilegais ou semi-ilegais em torno do turista. Além da prostituição propriamente dita, há a tentativa de venda de tudo: charutos (geralmente falsificados), descontos em restaurantes e paladares*, dicas turísticas, facilidades em entradas em todo tipo de lugar...

Brasileiro, que adora dar uma de esperto e levar vantagem, não caia nessa!! O cubano se aproxima de você, com um papo simpático e tenta te levar ao local que ele jura ter a melhor comida, o melhor charuto, o rum mais saboroso e barato. Depois disso, ele nunca mais vai sair do seu lado. Creia no poder de insistência de um cubano! Eles são sobreviventes, por isso, não cansam nunca de te amolar.

Em Havana eles são mais profissionais, com técnicas de persuasão um pouco mais apuradas; mas ao viajar para outros destinos turísticos, verá que falta a mínima noção e não é raro você se ver rodeada de pessoas te oferecendo todo tipo de coisas e sequer conseguir andar. Como cena de filme mesmo! Desesperador.

Na colonial Trinidad, resolvi respirar fundo, exercer toda a minha capacidade de sublimação e paciência, e deixar que uma jinetera fosse até o final da sua tarefa. Estávamos buscando um restaurante e Milagros, seu nome (deve ser por isso que coneseguiu que eu, enfim, desse atenção!), grudou no nosso lado dizendo que conhecia o melhor lugar para o nosso grupo. Não descansou até que a seguíssemos. No caminho, cobrei o preço: quis saber de tudo. Enfim, creio que apenas parte do que ela contou seja verdade. Milagros disse que paga 600 pesos cubanos (24 CUCs ou 50 reais) por mês de imposto para ter o direito de exercer a atividade de "guia turística". E, com isso, é contratada pelos restaurantes e paladares para indicar o local para os visitantes da cidade. Ela disse que os restaurantes pagam o salário dela; mas é claro que esse salário é na verdade uma comissão pelo que nós, turistas, consumimos.

De fato ela nos levou a um restaurante belíssimo, La Ceiva, numa mansão colonial bem cuidada, com pátio interno aberto e mesas sob uma árvore centenária. O cardápio tinha sopa de entrada, salada, prato de lagosta, sobremesa e uma bebiba (refrigerante local, água, mojito ou daiquiri). O preço no menu era 15 CUCs por pessoa. "Na mão da Milagros" saiu a 10 CUCs.

A máxima "o barato sai caro" vale também em Cuba. Milagros torrou a nossa paciência. Mexeu na mesa para nos acomodar, levando uma bronca do garçom da casa (o que não a demoveu nem um milímetro); tomou o cardápio de nossa mãos para dizer onde estava o que procurávamos; tentou anotar os pedidos e ficou plantada do nosso lado até o primeiro serviço chegar. Desesperador!!!! Entendemos que só assim ela teve garantia do que consumimos e pode cobrar do restaurante a sua parte.

O governo cubano parece não dar muita atenção para o jineterismo. Não vimos qualquer tipo de movimento para coibir a prática. Afinal, o jineterismo é resultado da falência do modelo. Não há trabalho para todos (esta semana saiu a notícia de mais demissões de funcionários públicos cubanos) e o povo faz qualquer coisa para ter acesso ao CUC, a moeda do turista (já falamos também sobre isso no post O QUE É ISSO, COMPANHEIRO?).

Dicas para evitar a aporrinhação:

1. O jinetero vai tentar todo tipo de língua até perceber que você entendeu o que ele está falando. Finja que você fala marciano, faça cara de paisagem e passe reto

2. Usar um jinetero não é crime, mas portar charutos falsos é. Portanto, para evitar ser preso na hora de embarcar de volta ao Brasil, abra a mão, pague um pouco mais e traga charutos certificados

3. Nem todo cubano simpático é um jinetero, não deixe de se relacionar com a população local, mas desconfie sempre se a pessoa prometer qualquer tipo de coisa a você

4. Use sapatos que facilitem a retirada rápida. Na hora que for cercado, aperte o passo

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*paladares são pequenas pensões familiares, que servem comida. O governo cubano permitiu a menos de uma década a existência desses serviços. O nome foi dado por causa da novela Vale Tudo, sensação atual do canal Viva, na TV fechada. Paladar era o nome do restaurante da personagem de Regina Duarte.

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