segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Pop, sim; oficial, não: casamento gay em Cuba


Em 13 de agosto de 1926 nascia Fidel Castro. Em 13 de agosto de 1942 estreava em Nova York "Bambi", o clássico da Disney. Em 13 de agosto de 2011 acontecia o primeiro casamento gay em Cuba. Nascimentos, estréias e acontecimentos inéditos representam marcos na vida de alguns ou de muitos. E, no caso, do casamento entre o ex-seminatrista Ignacio Estrada (31 anos) e a transexual Wendy Iriepa (37), na Ilha, um marco pra lá de pop.


Pop por conta de toda história envolvida ao redor desta união. Na ponta da trama, os fatos: 1. a madrinha do enlace é ninguém menos que a polêmica blogueira Yoani Sánchez (autora do Generación Y); 2. a filha de Raúl Castro, Mariela Castro, mandou mensagem diretamente ao casal, parabenizando-os pelas bodas.

Mas tanto a felicitação da família Castro, como a profusão de chamadas na imprensa do tipo "Cuba celebra primeiro casamento gay" merecem um olhar de atenção. Com lupa.


"Estou muito contente de que ela se tenha casado, apesar de não ter sido com um heterossexual como era seu desejo, mas parece que encontrou o amor da sua vida e vai celebrar isso. Desejo felicidades para ambos”
(MARIELA CASTRO)

Não, a família Castro não apoia a união em questão, nem o casamento gay. E ao contrário do que li nas redes sociais no último sábado, o casamento não se deu por conta de mudança na lei cubana: união de homoafetivos continua sendo proibida na Ilha.

Ignácio é assumidamente homossexual, mas já foi católico conservador e chegou a estudar em um seminário para se tornar padre. Wendy trabalhava em um centro de educação sexual, que ajuda gays e lésbicas em Cuba. Ambos enfrentaram dificuldades familiares, sociais e políticas para garantir a união. Aliás, Wendy perdeu seu emprego no centro - que é dirigido pela filha do presidente Raúl Castro - por estar casando com Ignacio, que faz oposição ao governo. Não deve ter sido à toa que Sánchez foi convidada a ser madrinha.

Lembremos que nos anos 60, o regime Castrista considerava a homossexualidade um crime. Em 2010, no entanto, Fidel admitiu em entrevista a perseguição que homossexuais sofreram em Cuba no início da Revolução, ao tempo que reconheceu sua responsabilidade por não emprestar "suficiente atenção" ao feito que qualificou de "grande injustiça".


(clique na foto para assistir a reportagem da TV portuguesa)

Como mencionei acima, Ignacio e Wendy não se casaram por conta de uma alteração na lei cubana, e sim por causa da Justiça. É que em 2007 Wendy conseguiu fazer em Cuba uma cirurgia de mudança de sexo e, assim, alterar o gênero também na carteira de identidade. Diante da Justiça, portanto, casaram-se um homem e uma mulher. Ainda que um seja gay e a outra, transexual.

Mas a constatação de que a união homoafetiva em Cuba não foi apoiada pelo governo castrista não é motivo para desânimo, nem deixar de comemorar o marco histórico na Ilha - e por que não dizer, no mundo. O casamento é consequência de algumas ações:

1. Justiça - ainda que parcialmente - consegue ser independente em Cuba - Afinal, mesmo com o posicionamento ainda contrário à união homoafetiva do governo cubano, um artifício jurídico permitiu que a primeira delas acontecesse na ilha;

2. Repercussão internacional - O mundo volta a olhar com atenção à Ilha para fatos além das discussões sobre a saúde de Fidel, o apoio a Chavez e as expectativas sobre distenção do regime. Um fato da sociedade cubana foi amplamente acompanhado e celebrado;

3. Família Castro consegue produzir mudanças, além dos irmãos Fidel e Raúl - A cirurgia de mudança de sexo que criou o artifício jurídico, que possibilitou o casamento, foi feita em hospital público cubano, por conta da militância da filha do presidente, fundadora do Centro Nacional de Educação Sexual (Cenesex). Essa instituição liderou nos últimos anos uma insistente campanha para sensibilizar os políticos e a opinião pública sobre o respeito à diversidade sexual.

Bom exemplo!

E vocês devem estar se perguntando: O QUE BAMBI TEM A VER COM ESSA HISTÓRIA? Bem, durante muito tempo o personagem da Disney foi também sinônimo pejorativo de homens gays. Diante do acontecimento em Cuba, Bambi também terá de engolir este casamento. rs

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Trinidad: patrimônio num país socialista

Se fosse lhe dada uma passagem para o desconhecido e de repente se visse teletransportado para a cidade de Trinidad de Cuba, pode apostar comigo... você arriscaria dizer que está em Paraty, a bela cidade histórica do litoral oeste do estado do Rio de Janeiro. A descrição é a mesma para ambas: casario colonial conservado em centro histórico, belas e paradisíacas praias ao redor, prática de mergulho, proximidade de parques nacionais, porto seguro de diversos artistas, estagnação econômica, belezas históricas convivendo com pobreza endêmica.

Não me lembro mais quem nos deu a dica de conhecer Trinidad, mas, de cara, informo que valeu muito a pena. Trinidad é uma das mais bem preservadas cidades coloniais das Américas, mantendo intacta boa parte de sua arquitetura histórica que encantou diversos viajantes, como o geógrafo, naturalista e explorador alemão Alexander von Humboldt (*) - sim, você estudou sobre ele na escola.

Fundada em 23 de dezembro de 1514 por Diego Velázquez, Trinidad tornou-se pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Cultura, Ciência e Educação) - em conjunto com o Vale de los Ingenios - Patrimônio Mundial em 1988.

A sensação ao chegar em Trinidad é que a cidade está parada no tempo e você está de volta a um passado que não viveu. Ficamos apenas dois dias, mas teria optado por permanecer mais para aproveitar o seu ritmo lento, visitar com mais calma os prédios históricos, andar mais pelo entorno e curtir as opções interessantes de restaurantes. Exato! Há tudo isso em Trinidad.

Chegamos de ônibus e fomos recepcionados por uma amiga de Manuela - a dona da casa que nos abrigou. Como já comentamos em outros posts, é comum moradores transformarem suas casas em pousadas para receber os turistas, tudo autorizado e taxado pelo governo cubano. As instalações eram muito superiores às nossas expectativas. Quarto limpo, com suíte, ventilador, cama confortável, espaço e silêncio; tudo por 13 CUCs de diária, incluindo o café-da-manhã (cerca de R$ 30). Como costumo dizer, as viagens são coloridas pelas pessoas que encontramos e o encantamento por Trinidad também tem alguns culpados: a família de Manuela (além dela, a filha, o genro e a neta).

Nos intalamos e fomos comer porque estávamos famintos da viagem. O almoço foi no Via Reale (ranqueado no Lonely Planet), casarão colonial, pé direito altíssimo, jardins internos e mesas de madeira maciça. Comemos entrada, massa honestíssima e muitos mojitos a 13 CUCs. O resto do dia foi aproveitado caminhando pela cidade e se encantando com as cores dos casarões. Como todo turista, é obrigatório parar na Plaza Mayor e visitar os Museus de Arquitetura Colonial, Romântico, de Arqueologia e a Catedral da Santísima Trinidad.

O curioso é que Trinidad nos deu a impressão que tem horários de rush. De manhã, na hora do almoço e no fim da tarde você vê muitas pessoas circulando pelas ruas históricas. Fora desses períodos, não mais! Fica tudo meio deserto e os locais fecham cedo. O ideal é aproveitar bem o dia e descobrir qual o melhor evento pra passar a noite após o jantar. Por falar nessa refeição, na cidade ceiamos em dois bons restaurantes: o paladar Estella (um maravilhoso camarão com abacaxi e garrafa de vinho dada de cortesia por 12 CUCs / R$ 28) e o restaurante La Ceiba (lagosta, sopa, salada e um mojito por 9 CUCs / R$ 21).

Mas não emburaque na bebedeira porque o barato é mesmo aproveitar o dia. De manhã cedo, de hora em hora, sai do centro da cidade um trem que leva até a Playa Ancón por 1CUC. Como quase todas de Cuba, a praia não é para o bico da população local e é frequentada apenas por turistas, que ficam em resorts incríveis de frente para o mar de um turquesa de tirar o fôlego. O local fica a apenas 10km do centro da cidade e o passeio é bastante interessante porque não há como não cruzar as áreas habitadas pelos cubanos. Abra bem os olhos, veja as belezas e sobretudo a realidade da população: não há miséria, mas a pobreza é evidente. No caminho até a praia, a arquitetura colonial preservada dá lugar a construções mambembes, tortas, puxadinhos... o que dá para as famílias fazerem e irem se amontoando conforme as novas gerações vão chegando.

(PAUSA PARA REFLEXÃO: curioso que um país socialista - e que por isso não permite a propriedade privada - tenha uma cidade PATRIMÔNIO MUNDIAL. Talvez se "o mundo" não fosse dono de Trinidad, a cidade não estaria hoje como está. É bela, de todo o mundo, mas não "pertence" a quem mais deveria desfrutá-la: os cubanos. Assim como a praia. Lá eles também não têm como ir)

Respire fundo e prepare-se: o visual é de cair o queixo. A água é maravilhosamente quente e transparente. Instalamo-nos numa das barracas rústicas do resort que domina e comercializa na Playa Ancón e tivemos o nosso primeiro momento de praia da viagem.

Sobre Playa Ancón, deixo que as fotos falem por si:
















COMO CHEGAR
A TRINIDAD

1. DE CARRO

Quem quiser dicas de como chegar a Trinidad de carro de Havana, Varadero ou dos Cayos, vale a pena visitar o site português ROTAS . Lá você vai encontrar dicas muito precisas de como fazer esta escolha e das furadas que pode se meter. Tudo que está lá descrito vai ao encontro do que observamos na nossa aventura de 17 dias por Cuba.

2. DE ÔNIBUS

A viagem de Havana a Trinidad dura 3h30. No mais, postamos sobre a nossa experiência de comprar passagens pela internet aqui.


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(*) Humboldt esteve em Cuba em 1800 e 1804 e escreveu Político na Ilha de Cuba, descrevendo geografia, rios, população, economia, governo e sistema de escravos